November 19, 2006

Carta

Fotografia de Larafairie


Deixo-te, em cima da cómoda, as chaves.
Os pedidos de desculpa esgotaram-se naquele vão de escada que olho. Aquele momento cru em que as bocas se calam e os olhos deixam escorrer as últimas palavras. Não sei o que as nossas disseram, mas ouvi, em mim, o estilhaçar de dois corações que amaram e se amarraram.
Não me lembro de onde adormeci ontem, sei que acordei no vazio do frio de Novembro. Despedi-me. Dos olhares, dos cheiros, do chão de casa, dos banhos
Feri-te por não te saber amar da forma ideal. Feri-te pela inconsciência do que sou.
Junto as minhas coisas, como quem vai arrumando o tempo de pensar. Pego num bloco onde te escrevo até já.
Terei de partir, para onde não sei. Sentar-me sozinha, viver-me esta dor de ser quem sou.
Deixo-te porque há muito me deixei.
Vou-me porque matei a verdade que existia em mim.
Apaguei os candeeiros em mim e segui pelas ruas estranhas do meu mapa. Talvez um dia me encontre e aprenda a amar-te sem te magoar.
Por agora parto sem rasto, sem contacto, sem identificação do nada que sou.
Talvez não dês pela minha falta.
Que te ames, meu bem, tanto quanto te amo. Como sempre te vou amar… agora em silêncio.
Que te encontres, meu querido, longe das feridas que te fiz e vi sangrar.

Deixo-te, em cima da cómoda, as chaves. Na garagem, o carro. Na cama, o adeus.

November 13, 2006

Hoje eu não me recomendo


Ouço Sigur Ros, apago a luz, esvazio os olhos, os dedos desenham-se em palavras que agarram a lembrança do teu adeus.
Percorro com o olhar vago o chão onde nos amámos, onde agora se acumula o pó das estrelas que morreram.
Com a batida da música serena recubro o corpo frio com as recordações dos teus dedos, do teu cheiro, dos teus passos, da tua presença, da tua respiração...
Não consigo parar a música, todo este espaço faz de ti omnipresente. Gostava de escrever, saem apenas rascunhos de um nós que partiu.
Caem lágrimas que te choram, que te tocam na eternidade de um tempo adimensional. De mim nada mais sabes. De ti ficam os restos que colecciono, reconstruindo diariamente a presença da tua ausência.
Faço a cama contigo lá deitado, levanto-me sem fazer barulho com medo de te acordar, endireito a tua escova de dentes no copo, deixo-te um bilhete na toalha de banho lavada, como se ainda aqui estivesses, como se não houvesse adeus.
No fim, fico-me já sem palavras, já sem dor... apenas vazio.
O vazio de um amor que não soube acabar.

Será que para ti a noite também ficou mais fria?
Música no Castelo: Sigur Ros - Hoppipolla