June 29, 2006

Mãos vazias

Fotografia de Saligia

Não tenho palavras em mim
Sequei a alma em banho de sal
Deserdei o corpo que se percorre em círculos
Nos olhos baixaram as cortinas

O barco da vida encalhou
No mar que me enganou
Deixei as mãos que te escreviam na areia
E o coração espalhou-se com o vento
Desfeito

Hoje sou estrangeira de mim
Erro as ruas sem indicações
Durmo à porta de moradas roubadas
Tropeço nos paralelos das dúvidas
Deito-me e esqueço que existo
Talvez o sol queime o meu dia


Música no Castelo: Mariza - Anéis do meu cabelo

June 27, 2006

I have but one belief

Fotografia de Bittertaste


Não tenho nada a não ser um olhar triste como que se estivesse suspenso no vácuo, perdido, parado, desamparado. Como quem não percebeu que a vida lhe passou pela frente e seguiu.
Ainda persiste o terço esquecido na cama, num tom de prece abandonada.
As folhas amontoadas com letras e números que se fecham em pontos de interrogação e lágrimas.
No chão as horas gastas em sonhos que moldavam as asas da vontade, chão que agora calco desfeita com pés de chumbo e coração queimado.
Talvez as estrelas sejam candeeiros. Talvez, um dia, eu seja capaz de os acender.

Há uma tristeza que veste o meu vazio de preto. Estou de luto. Luto até morrer

June 24, 2006

On and On

Fotografia de eurai

Agradeço o amor que me agarra à vida e à luta. Os amigos que vivem no coração, os estranhos que olham e sorriem, a velhinha que passa na rua e diz: “Deus vos conserve felizes meninas. O tempo leva a beleza, guardem-na no coração”, a professora que guardou a melhor recordação de nós, a explicadora que diz que é um prazer trabalhar connosco, o bebé que cala o choro com uma brincadeira, a irmã com estrelas nos olhos.
O amor, o amor que vem da partilha é a única magia que me segura à vida e à luta.
Porque tenho quem amo e quem acredita em mim, até isso existir, existirá em mim a força que me faz seguir. Por isso não sou bicho, por isso não sou besta.
É na divisão que me multiplico, é em vocês que persisto.
Amo-vos com cada traço que me constrói e por respeito ao amor que me fez assim, pelo respeito k têm por mim, continuarei a lutar até que a morte me diga que chegou a altura de parar.

Ao estranho, ao estranho que soube afagar a dor no momento em que a alma vadia ficou vazia, que, com truques, me fez sorrir no meio das rochas do sofrimento.

Lutarei até que a sede seja acalmada, a dor cessada, a fome faminta. Lutarei pelo sangue que me corre.
Em amor, até sempre

June 22, 2006

Judas

Fotografia de miss-freak-of-nature


Há uma margem de erro entre as letras e as palavras.
Só isso explica porque digo o contrário do que penso, o tom das palavras sujas que partem da língua deixando no coração a dor da prisão do erro. Quando na liberdade da solidão todas as letras vagas são perfeitas, tudo o que te digo é rigorosamente límpido. Não há truques, jogos ou refúgios. Tudo são verdades que me permitem caminhar liberta.
Talvez seja a força do medo que doma a beleza das palavras tornando-as tão graves que matam. Matam quem ouve, matam quem fala, matam quem sente e ressentido se defende, de novo, em palavras. Palavras que matam.

Há palavras que matam e eu, de olhos lavados e alma cansada, entrego-me à polícia pelo homicídio que cometi naquela noite em que te vi e, por palavras, parti.

Música no Castelo: Mariza - Cavaleiro monge

June 19, 2006

O tempo que o tempo tem

Fotografia de Foureyes


Não tenho passado
Reavivo as memórias como filhas por quem tenho de olhar
Não tenho presente
Arrasto os dias que carregam cheiros de sonhos repetidos, como filmes que não queremos que acabem
Fim são três letras onde morrem todas as outras, que se colam ao ecrã da vida, em permanente rodapé.
Triste é o sabor que trago nos olhos pelas lágrimas que acabaram antes de existirem.
Adorno é o sonho que me amaldiçoa a noite com imagens puras.
Como uma palavra pode ser tão boa?
E por aí vou eu, fantasma de mim, à procura do que procuro sujeita a nunca encontrar. Talvez por te ter visto a minha história tenha sido amaldiçoada, talvez por te ter visto a minha vida tenha sido abençoada.
O meu baloiço, o carrossel de sentimentos que rodopiam nunca me permitindo ser quem não sou, lembrando-me sempre do que aqui ficou.
Ficar não é o contrário de partir.
Um beijo

June 17, 2006

Isto é Poesia

Adriana Lima

Não sei o que corre entre
O deserto da tua ausência e
O oásis da tua chegada

Tenho uma caixa de amor
À espera da tua chave
No regaço o carinho que te quero entregar
Guerreiro que abandonou a mulher

Põe dois dedos na ferida do coração
Como quem estanca a emoção
E deixa escorrer a sensação
De que vives onde os anos não chegarão

Segura na mão que te estendo
Sorri calmo a lágrima que cai
Mata as saudades que trazemos
Leva-me para a cama do sempre
Como quem fica comigo
Para sempre
Como quem me olha de novo
Para sempre
Como quem nos renova
No sempre
Porque sempre é a tatuagem que trago

Não estás aqui e vives comigo

Estranha esta fantasia
Bizarra esta terapia
És o vestido que pelas minhas pernas baila
Como quem me beija em suavidade
Como quem me toca sem desespero
Com a certeza de que te dispo
E logo te visto…
Porque me ficas bem

Isto é poesia
O amor que me sai dos olhos
Quando parece que tudo te levou
No sempre esta história ficou
Poesia é ter-te ao peito
Escrever-te por horas e achar pouco
Amar-te em silêncios transversos
E nunca achar os teus gestos perversos


June 13, 2006

I can die when I'm done

Fotografia de EvilxElf

Não há nada com que prosseguir
Esta é a mascara que vou despir
Não há nada que o esforço valha
Ao pescoço tenho presa a navalha

Não há como desistir
A vida é o que está por vir
É tempo de as estrelas encarar
E um sorriso de mar desenhar

Agarrar o segundo chegado
Como filho desertado
Lamber a lágrima cadente
Ser estrela incandescente

Sempre mais fácil parar
Do alto os sonhos largar
Não sou estéril, não sou triste
Sou a mulher que persiste

Na felicidade não há amanhã
É Hora, amigos!

Música no Castelo: Carlos do Carmo - Estrela da tarde

June 12, 2006

Fraude


Errei por julgar poder voar
Pensei ser capaz de a vitória abraçar
Ter em mim o dom
E do ruim roubar apenas o bom

Errei por sonhar
Nos entretantos esqueci-me de lutar
Das espadas ficou o desenho
Que em mim tenho

Viverei sempre por te amar
Por um dia te poder conquistar
No peito o invisível estetoscópio
Será sempre o meu ópio

No fim desisto
Porque em mim não cabe nem mais um risco

June 09, 2006

Forma

Angelina Jolie
- Porque razão as pessoas simplesmente não rapam o cabelo, vestem umas túnicas, meditam e adoram um Buda gordo? Não havia pressão e ansiedade…

- Há quem o faça!

- E tu o que fazes?

- Corto o cabelo, mudo de roupa todos os dias, sempre com estilos que me confundem, medito à mulher que sou na procura de encontrar quem deveria ser. Multiplico-me em espelhos baços que nada mais me dão senão um reflexo.
E nos dias busco o horizonte sem perceber que a linha ténue da vida está algures dentro de mim, num lugar de chave simples, fechado só com uma volta.

Podemos tomar um café?

- Mas tu não tomas café.

- Pois não.

June 06, 2006

Unique

Apenas uma fotografia
caberia aqui,
a tua!
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Não me importava que tivesses apenas duas mãos, se elas estivessem aqui agora. Em torno do meu tronco empobrecido pelos medos que sufoca.
Pedir-te carinho, um pouco de protecção e não ver na tua cara um traço de rejeição. Dizer-te que sofro pela vida, que falhar é mais eminente quando aqui não estás.
Oferece-me o teu colo junto com um copo de vinho, tira-me do peito a maldade, o terror que invade para que, depois, te possa dizer que te amo cheia de jeitinho.
Faz beicinho. Diz que esperaste demais a minha vinda, que fui criança ao deixar-te partir. Diz que voltaste sem mais nada pedir. E eu dou-te tudo.
Não me importava que na tua cabeça os segundos fossem meus. Ver-te chegar e perceber que ainda é minha a chave do teu tesouro. Despir-te e em ti descansar, estar sem ti é longe demais, é mau demais.
Queria que voltasses para que fosse perfeito, nesse teu jeito sempre tão suspeito. Dar-te o amor que trago no peito.
Afaga os meus cabelos e diz que tinhas saudades do meu sorriso. Ouve-me, preciso de ti agora, estou numa encruzilhada e sem sinto-me fechada. Abre as portas que tranquei com as tuas chaves.
Volta para que te saiba amar. Quero aprender contigo. Dois faz tão mais sentido.
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Música no Castelo: Pink - Lonely girl

June 04, 2006

Ensina-me um truque

Fotografia de Rafael Soledade Matos

Queria ser mágica
Neste momento ter o dom do poeta
Escrever da dor que mata

Verter dos dedos a expressão máxima
A loucura que cose lábios
E espreme corações em sufoco

Tatuar com agulhas
As veias por onde passas
E sangrar as lágrimas do bolso esquerdo

Ser agente máximo
Calar com palavras
As dúvidas que me enrolam em lençóis sozinhos

Queria ser assim
Para me desfazer de mim
Peregrina de caminhos sem fim


June 03, 2006

Abstracta

Fotografia de Paulo Cesar


Preciso de ti, assim, aqui baixinho perto de mim.
Vem de pantufas e mostra-me o caminho de volta a casa
Não precisas falar, nem sentir vergonha.
Podes abrir os armários, mudar a roupa da cama.
Podes desligar a televisão e ficar
Não precisas falar, mas, por favor, conversa comigo
Diz-me de onde venho, o que tenho
Fica, deixa o tempo ser menino
Porque a menina chora inerte pelo medo que turva.
Vê-me dormir.
Apaga os monstros que todas as noites me molham de suores
Não precisas cantar, podes sorrir.
Vem, e diz-me que és meu amigo
Faz o jantar, é um perigo viver sozinho

Vira-te para mim,
eu não sei para onde me virar.

É do vigésimo andar que me atiro