March 28, 2006

Ilha


Arrombei a tua porta
Esbofeteei-te
Em soluço calado
Rompi mar adentro
De agulhas sangradas no coração

Fechei a minha porta
Sufoquei-me
Em dor garrida
Voei céu afora
De asas cortadas por olhares ausentes

Vivos de memórias penetrantes

Com o sangue parou o mundo
que despi por ti
Por insuportáveis ausências afogadas
Neste mar que me abrasa
Sou ilha em busca de terra

March 21, 2006

Constança


Olá!
Como vais? Não sei se reparaste, mas dizem por aí que os dias estão maiores.
No meu telhado continuam a suar gotas de chuva que caem no chão da minha casa destruída… isto mais parece uma barraca.
Fartei-me de pedir ajuda à assistência social. Disseram-me que estava gordita, de bom aspecto, provavelmente lá me andaria a desenrascar.
Quem disse que a necessidade não engorda?
Continuo a apanhar o comboio que me espalha pelos apeadeiros. Engraçado, às vezes a viagem passa a voar, outras há em que tenho de empurrar os segundos para que se desenrolem.
A praia. A praia de todos. Hoje entreguei-me. Queres falar sobre o tempo?
Há dias para morrer? Morre-se todos os dias.
Continuas bonita a andar de bicicleta? Quando rodamos os pedais para trás a bicicleta não se mexe, até que tombamos.
Caíste hoje?
Fui buscar a mãe ao hospital. Ela falava de coisas estranhas, estrangeiras a mim, entraram-me nas hemácias com tal força que deixou de haver espaço para o oxigénio.
Sabes, … deixa lá, não me apetece despedir. Despeço-me para a próxima, pode ser?

March 17, 2006

Tenho as mãos pequenas

Carla Bruni

Perdida nos dias
Aos tropeções nas linhas que cosi
Para te guardar só para mim
Enrolei-te no que de melhor havia
Estou drogada
Cocaíno-me de fracassos multiplicados
Cheira demais a ti
Nem a morrer te podes esbater?
Sou fantasma,
No rosto
No passo
No esconderijo
Porque não se vai a memória também?
De que líquido bebeste?
Fumo o cigarro do vazio de mim
A nicotina da solidão
Diz-me que a vida é em vão

Estou cansada
As canções de amor incomodam-me os ouvidos
As tuas palavras são ouriço
O amor mata
Estou a morrer de desamor

March 16, 2006

Há quem gostasse de palavras novas


Adriana Karembeu

És errado
Não te quero quando invades os sonhos
Fazes frágil quem te quis esquecer
Sacias a libido que não te pode ter

És errado
Matas-me a dor com um olhar
Não vens e eu não deixo de equacionar
Calculei os limites
E transpus toda a matemática
No fim, a dor é sempre a somar

És errado
Desesperas-me sem sinal
Eu vou, juro ir
Este desejo é mais que carnal
Em sonhos não me canso de te pedir

És errado
Já percebi
Não te pedi certo
Pedi-te amado.

March 11, 2006

'Don´t come back', she said

Aurelie Claudel

Vou fazer de conta
Não passaste
Que se dane, não ficaste
Sem registo, apagaste
Para quê as memórias?
Para quê os retratos
Trapos
Farrapos
Dilacerados?
Porquê a teimosia do passado?

Ao menos, tudo passa
Um dia o dia morrerá
Sem perguntas
Sem respostas
Sem memórias
O ponto final digno de aplauso.

Já não tenho boca
Calei pedras
Engoli tremuras
Trinquei desejos
Lambi… te
Hoje lambo-te de mim
Deixo-te por aí
Não quero saber

“Para onde vais?”
Rasguei o mapa!

March 05, 2006

Espera



Se antes tudo era escuro
Agora tudo é espera.
Não haverá tormento maior
Que a espera desesperada sem esperança
Quando a esperança espera para morrer

Quem espera sou eu
Que a esperança se desvaneça
No confortavelmente horrível escuro

A esperança implica envolvimento
E eu quero poder continuar fingindo
Que em ti não me emaranho.
Só porque há verdades desnecessárias
Porque no escuro é mais fácil suportá-las
Porque só eu saberei como as pintar.

March 02, 2006

Vontades


Laetitia Casta

Bendita a minha boca
Que te profana em silêncios mesquinhos
Em que o teu corpo é roubado
E violado
Em que a dor te assume e
Devora
Bendita eu que te
Assassino
E te faço mais forte nesta podridão de jogo
Eu que te putrifico e putifico
Que te faço meu servo,
Para sempre tua senhora.