October 28, 2006

Talvez o dia acabe



Se eu fosse cantor
que musica cantaria a minha voz muda?
Se eu fosse bailarina
que movimentos preencheriam este corpo paralisado?
Se eu fosse poeta
que palavras me matariam esta dor?
Cantaria com a tua voz
Bailaria no teu corpo meu
Escreveria que te busco e não te agarro
Nestas duas mãos tenho mundos de vazio
nos olhos escorrem pérolas negras
pelo desentendimento dum amor que não aconteceu
Talvez por ser errada sem o saber
posso ate ser aquilo que gritaste
aquilo que calaste na boca e atiraste com os olhos
Posso.

Mas posso também dizer-te
que o monstro que odeias acordou a pensar em ti
Posso pensar que fui um erro
mas é com o erro que sou que tenho de viver

October 24, 2006

Ela


Ela era uma mulher nova que aprendera cedo demais o que era a vida. Perdeu os sonhos, um a um, com as impossibilidades que se cruzaram com o seu olhar ainda de menina. Pelas palavras que não foram faladas, pelas costas voltadas sem adeus, pelos telefonemas prometidos que nunca chegaram, pelas vontades de navegar mortas na areia. Uma a uma, as ilusões de que a vida se alimenta foram acordadas e sacrificadas no seu coração de mulher crente.
Ficaram carregados os seus ombros, os olhos enegrecidos, o seu passo perdeu a leveza e graciosidade de outrora. Como ela havia sido bela. Que lhe acontecera?
Morreu-lhe a vida! Andava sem caminho, percorria o mundo em pensamentos toscos e gastos, sempre solitários.
Chorou amor, jurou nunca mais.
Ela chorava quando olhava a sua alma ao espelho. Doíam-lhe os sonhos inacabados, a vida de que desistira. Em secreto silêncio ela sonhava… talvez um dia alguém fosse capaz de encontrar a sua caixa da Esperança.
Sonhava, mas não mais acreditava, tampouco pedia.

Da última vez que a vi encontrei-a perto do mar, de braços abertos e cabelo esvoaçante.
Percebi-lhe lágrimas que rolavam cara abaixo. Não me preocupei, sabia que ela se tinha encontrado. Soube, quando a olhei, que a força que emanava vinha do amor.
Alguém abriu a sua caixa. E, sem fazer perguntas, beijei-lhe a face fria. Em silêncio disse que a amava, que ficava feliz por a ver em paz.
Sei que, também em silêncio, ela me disse que a vida é espera, esperança e encontro. Ela encontrou.

October 18, 2006

Fragmentos

Fotografia de Lara Jade


Matam-me as horas vadias em que sozinha sou vazia.
Fecham-se em mim mundos e medos sem cor ou direcção. Tudo escuro, tudo sombra.
Grita o vento lá fora, também ele sozinho, também ele cansado. Pergunto-me que quererá ele dizer quando me bate assim tão forte na janela. Que me queres? Há muito que o frio de ti mora em mim.
Corro-me pelas ruas, encontro-me espalhada por esquinas que me esqueci de visitar, vejo-me perdida em becos de cheiros antigos. Onde estou? Onde me moro? Quem de mim saberá senão eu?...
Procuro… procuro quem me veja

October 10, 2006

Senza Parole



Há quem estude estrelas e perceba brilhos passados, quem entenda signos e descodifique personalidades, quem some números e se multiplique… Há quem ame e se encontre!
É o mistério humano, tornar-se maior que os Himalaias, correr quilómetros infindáveis, domar mares perigosos por amor. Não há na natureza força maior.
Posso dizer que o poeta que me nasce nas mãos não tem tamanho suficiente para contar a palavra amor. Então deixo de tentar, fecho os olhos e sinto a mão escorrer, deslizar em papel macio sem vírgulas, pontos ou entraves… porque somos livres, livres para aprender que amar dói, que amar salva.
Dores? Tenho muitas. Passados? Amo-os como a fantasmas. Mas sou livre, livre para aprender que amar dói, que amar salva.
Dispo-me do alto da montanha, onde o vento é virgem e te sopra os pensamentos para longe, sinto o poder da vida que se esquece na sucessão de dias agitados com pressa de chegarem a lugares vazios, está frio mas eu não o sinto, repito palavras e tropeço em letras, mas não me corrijo… porque sou pura e me sinto Vida. Volto-me para ti e toco mundos que os homens estudados ainda não descobriram.
Calo-me, não fujo. Dar-te vida é viver.
Sonho.

October 09, 2006

Inside My Shell

Foto por paphia



Quarto vazio, paredes indiferentes, cantos sem segredos,espelhos sem recordações.
Gosto da sensação de viver em sítios que nada me dizem, como se fosse nómada.
Afinal sou só mendigo de mim.


October 04, 2006

Regional

«Escrevo-vos por serem um dos jornais da cidade que me viu crescer, mas, acima de tudo, por serem credíveis e, até hoje, terem respeitado a informação que vos foi dada.
Relativamente ao que tem sido publicamente relatado, eu tenho a dizer que venci o concurso Miss Lusitânia (anteriormente designado por Miss Mundo Portugal), o qual elege a representante portuguesa do concurso Miss World. Parece-me que, ao contrário de muitos outros países, Portugal é um país de mentalidade tão pequena que não pode suportar a realização de dois “concursos de Misses” distintos (note-se que enquanto acontecia a Miss Mundo que contava com a presença da Miss Mundo Itália, passava num canal televisivo italiano o concurso Miss Itália).
De facto, não tive os apoios suficientes. Soube que assim seria no final do concurso que venci. No entanto, sabia que na minha “mala de cartão” levaria o patrocínio mais valioso: amor e respeito por quem me rodeia, apoio incondicional da família e amigos verdadeiros, a maturidade suficiente para saber que não são as roupas ou acessórios que fazem uma pessoa de carácter.
É com imensa tristeza que vejo reflectido na imprensa portuguesa que continua a ser mais fácil matar que dar a mão, deturpar a verdade que tentar compreender. É uma pena que o mundo não tenha a capacidade de se respeitar – é aí que começa o extermínio da guerra. Todos os dias começamos guerras pessoais nas nossas casas, nas escolas, no trabalho, na rua quando ignoramos alguém que nos olha e precisa de um sorriso.
O concurso Miss Mundo foi das maiores experiências da minha vida. Em momento algum posso dizer que foi fácil, posso sim dizer que aprendi onde mora a força humana e a possibilidade que eu (assim como todos nós) tenho de fazer o dia de alguém mais feliz. Aprendi-o quando dei a mão a crianças com Síndrome de Down, quando conversei sobre namorados com adolescentes, quando sorri a quem me olhava, quando visitei escolas e partilhei experiências…
Vim para Portugal com planos de fazer muito trabalho de caridade, vontade de trabalhar com as escolas, constituir grupos de “palhaços médicos”… Hoje sei que, muito provavelmente, nada poderei fazer enquanto concorrente portuguesa da Miss Mundo, mas juro que pela minha vida fora o farei, quanto mais não seja sozinha. Quem se quiser juntar a mim só me fará mais feliz.

Digo de coração triste que enquanto estive um mês longe de tudo e todos (como qualquer outra concorrente) a lutar e a dar o melhor de mim como mulher que ama o seu país, tive a minha família, os meus amigos, eu e todos os portugueses a ler mentiras descabidas e faltas de respeito intoleráveis. A quem foi feio o suficiente para o fazer eu só posso dizer: o respeito que sinto por mim e pelas pessoas que me possam ouvir ou ler permite-me apenas multiplicar a minha força e vontade de viver. O mal só se combate com bem.
Parti e voltei em amor.
Assim espero continuar.

Obrigada,
Sara Dias Leite»